“Nesse cenário, bancos se retraem e mercado fica um pouco mais comprador de fintech”, diz o executivo, que aguarda “ansioso” pela quarta fase do open banking, que chegou na última semana
Com a escalada da Selic em 2021, chegando a 9,25% ao ano na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, o mercado já espera consequências para o setor de crédito. Além do financiamento imobiliário, que tradicionalmente é um dos mais afetados pelas variações da taxa básica de juros, outros produtos financeiros também passam a ficar mais caros, como cheque especial, rotativo do cartão de crédito e crédito pessoal para pessoas físicas. Para empresas, especialmente as PMEs, o cenário também não é dos melhores. “Em um cenário desses, os bancos se retraem”, afirma Marcos Travassos, CEO da Money Money Invest, fintech especializada em crédito para PMEs por meio de P2P lending (clique aqui para entender como funciona a modalidade).
Na prática, essa “retração” significa mais exigências para concessão de crédito pelos grandes bancos, que atualmente são responsáveis por 81% dos empréstimos realizados no Brasil, segundo levantamento do Banco Central de junho deste ano. Além de maior burocracia, na atual conjuntura empresários podem também esperar por juros mais altos. Porém, segundo Marcos, esse cenário difícil pode representar uma oportunidade para fintechs de crédito, como a Money Money. Na avaliação dele, o mercado “fica um pouco mais comprador de fintech”.
Confira a entrevista que realizamos com o executivo, que além de crédito, falou sobre investimentos, competitividade do peer to peer frente à renda fixa (que passa a ganhar relevância com a alta da Selic), impactos da quarta fase do open banking, que começou 15/12, e o que espera para o mercado de fintechs em 2022.
O Copom decidiu que a Selic fecha o ano em 9,25%, como vinha antecipando o mercado. Para 2022, a expectativa é de que os juros alcancem até 11,25%, segundo projeções do Boletim Focus, do Banco Central. Como você avalia o impacto que esse cenário trará para o mercado de crédito?
Marcos Travassos – O mercado de crédito é sempre muito sensível à taxa de juros, sem dúvida nenhuma. Mas acredito que setores específicos, como o imobiliário, tendem a sofrer mais porque são financiamentos de longo prazo e isso acaba atrapalhando bastante o desenvolvimento do setor, e isso tem um efeito cascata grande inclusive no mundo que eu vivo, das pequenas e médias empresas. Imagine uma obra imobiliária, quantas pequenas empresas prestam serviço para as grandes incorporadoras?
O sistema financeiro não gosta de clima de incerteza e quando a política monetária eleva a taxa de juros é justamente sinal de incertezas futuras. Nesse caso, especificamente, estamos falando de uma preocupação grande com o descontrole da inflação, mas eu sempre digo que o crédito, em uma economia grande como a do Brasil, existe independente do cenário macro, só muda as suas características. Você tem uma tendência de aumento de inadimplência, de as empresas perderem força financeira por aumento das despesas. Mas, por outro lado, as empresas vão continuar com um volume de negócios grande porque a nossa economia é muito grande. Para as fintechs, especificamente, eu acho que esse cenário pode ser uma ameaça, mas também uma oportunidade, porque normalmente os bancos se retraem e o mercado fica um pouco mais comprador de fintech.
Para o P2P, especificamente, como você avalia que será o desempenho nessa conjuntura?
Quando a gente começou a Money Money, a taxa de juros estava caindo e chegou a 2% e havia um super incentivo para diversificação dos portfólios de investimento das pessoas físicas. A poupança estava trazendo retorno negativo. Agora é o contrário, a renda fixa volta a ser um concorrente do P2P. Mas, por outro lado, o risco de crédito também é precificado para cima. Se a gente tinha uma taxa de juros em 2% para investimento na renda fixa tradicional contra 20% bruto no P2P, para depois descontar a perda e o resultado ficar para o investidor, hoje nós vamos ter 10, 11, 12% [na renda fixa], mas do outro lado [no P2P] vamos ter 35, 40%. No final das contas, o mercado se ajusta. A questão é: em um ambiente mais desafiador, de incerteza, de pressão inflacionária constante, é preciso ter um pouco mais de cuidado com o crédito. E, nesse sentido, as plataformas que tiverem capacidade de ofertar crédito com maior segurança vão se destacar. O investidor vai perceber que ele tem 10%, 12% em um CDB, mas a escola do filho dele também está sendo reajustada em 10%. Então, o ganho real é muito pequeno.
Claro que o ideal seria um patamar de juros de 2%, 4%, mas também não acho que é algo que possa reduzir drasticamente o apetite do investidor pelo nosso tipo de ativo de investimento.
Pelo lado dos empresários que vão atrás de crédito, acredita que os juros mais altos promoverão uma migração para fontes alternativas, como o P2P?
É uma tendência, mas principalmente porque, historicamente, os bancos se retraem nesse ambiente macro mais desafiador. Até porque também um mercado volátil traz outras oportunidades de ganho para os grandes capitalistas, seja em renda variável ou operações com estrutura um pouco mais sofisticadas. E o crédito no Brasil, que já é pouco, vai ficar menor. Aí as fontes alternativas, que são as fintechs, tendem a ter mais demanda.
Agora, o empresário também tem que ter mais cuidado, porque a despesa financeira em um ambiente de taxa de juros baixa acaba sendo absorvida pela margem do negócio; agora, com uma despesa mais elevada, ele tem que cuidar do tamanho do endividamento que ele está disposto a carregar no balanço dele.
Até porque, com a inflação, a tendência é frear o consumo…
Sem dúvida. O freio no consumo pressiona os preços para baixo. A política monetária é isso, né? Aumenta juros, segura a pujança da economia, os preços naturalmente se reduzem e você segura a inflação. É um remédio amargo, né? Mas não vou dizer que não é eficiente. E tem o lado do dólar também. A taxa de juros alta vai influenciar no fluxo de capitais e deve segurar o dólar, uma vez que muito da pressão inflacionária vem do câmbio.
Eu penso o seguinte também: falar de 10, 11% ao ano [na taxa de juros] não é nenhum absurdo em um país que viveu o que a gente já viveu [as taxas de juros no Brasil já chegaram a 26,50% ao ano em 2003, por exemplo]. O que não pode é deixar a inflação se descontrolar. Aliado a tudo isso, podemos falar também que teremos um ano eleitoral, que traz bastante volatilidade. E, voltando na questão que você colocou do investidor do P2P, quem não estiver 100% contente com a renda fixa tradicional também não vai estar 100% contente com a renda variável, com a bolsa, que vai trazer muitas oportunidades, mas também muitos desafios, principalmente para quem não é exatamente um especialista.
Nos últimos meses, a bolsa tem dado dor de barriga em todo mundo, inclusive.
Sim, está virando uma constante. Ver o pessoal devolver no final do ano tudo que ganhou no ano todo. Mas eu penso sempre: o mercado sempre se regula. O que não pode é fechar os olhos para tudo e, especialmente no caso das fintechs, tem que ter a capacidade de fazer os ajustes necessários. A beleza de uma fintech, que eu sempre digo, é essa capacidade de pivotar a operação e a estratégia de uma maneira rápida e assertiva. A Money Money hoje é uma S.A. (sociedade anônima) de capital fechado e temos um conselho consultivo com caras brilhantes de mercado com os quais eu tenho o prazer de falar quase semanalmente sobre cenário. Então estamos bem preparados para fazer os ajustes necessários e eu brinco aqui que, para quem é da minha geração e é fã do Ayrton Senna, “piloto bom corre na chuva”, mas sempre com cuidado. Esses dias um dos conselheiros me falou “Acelera, Travassos, mas cuidado para não acelerar na curva” e ele tem razão. É isso que estamos fazendo.
Falando em mudanças na estratégia, agora chega a quarta fase do open banking, que falamos na outra entrevista, influenciando diretamente o mercado de crédito. Quais serão os ajustes necessários à operação? E como deve afetar os negócios da Money Money em 2022?
Estamos super ansiosos por essa quarta fase, quando teremos um pouco mais de visibilidade das informações importantes dos clientes com os quais a gente convive. Estamos analisando duas alternativas para fechar com empresas de tecnologia complementares à nossa, com as quais devemos nos relacionar para capturar informações de open banking. Então, no final das contas, como falamos da outra vez, o open banking será a grande disrupção do mercado de crédito. A Money Money e outras fintechs terão acesso a informações e histórico do cliente e conseguiremos tratar esses dados, se não de uma forma melhor, pelo menos em igualdade de condições com os bancos tradicionais.
Essa fase é fundamental, estamos preparados para isso e crescendo nossa capacidade tecnológica. É claro que não é só virar uma chave para passar a usar essas informações da maneira que você precisa, mas a gente está nessa direção.
Também é importante porque protege muito o nosso negócio e os nossos investidores, uma vez que teremos informações cada vez mais confiáveis para rodar no nosso algoritmo [para análise de concessão de crédito].
A Money Money é agora uma SA de capital fechado e realizou, recentemente, sua primeira emissão de debêntures. Pode falar sobre os planos da empresa com essa captação?
Desde o início, a nossa tese sempre passou pelo mercado de capitais. Eu, que fui executivo de banco, sempre achei que o modelo tradicional dos bancos está chegando ao seu esgotamento. O mercado de capitais, onde você divide com o mercado os riscos e benefícios do mercado de crédito é o modelo mais adequado. Óbvio que o modelo peer to peer, com as pessoas investindo diretamente, é sedutor. E super interessante, porque, além de dar crédito para pequenas e médias empresas, surge uma nova classe de investimento que pessoas físicas comuns não tinham acesso. Contudo, a gente sabe também que, para escalar a operação, a gente precisa diversificar a fonte de funding. Fora do Brasil, na Europa e EUA, as grandes empresas de peer to peer cresceram fazendo essa diversificação.
Nosso modelo sempre foi esse: a gente precisava crescer fazendo peer to peer e criar um histórico para poder acessar o mercado de capitais. Então fizemos essa primeira emissão de debêntures, foram R$ 20 milhões, e esse dinheiro captado será utilizado para gerar funding para nossas operações. Ou seja: já posso te dizer em primeira mão: concluímos a emissão em outubro e multiplicamos nossa operação por três em relação a setembro. Em novembro, multiplicamos por quatro e devemos manter esse número em dezembro.
A Money Money multiplicou por quatro a sua operação só com a emissão das debêntures, sem abandonar nossos investidores pessoas físicas e o peer to peer, que a gente quer que continue nos acompanhando e crescendo.
Para frente, o objetivo é continuar investindo para trazer cada vez mais pessoas físicas. Mas já estamos estruturando também um fundo de investimentos que vai ser de R$ 60 milhões a R$ 100 milhões de reais para sustentar a operação em 2022. E vamos visitar o mercado de capitais de maneira frequente daqui pra frente, basicamente por dois motivos: é fundamental para escalar a operação, para que a gente possa acessar e atender cada vez mais empresas; e é mais seguro, porque ficamos com mais uma fonte de funding.
É como se fôssemos um banco tradicional e esse fundo seria o capital que utilizamos para emprestar. Só que, na verdade, é capital de investidores profissionais e qualificados, dentro de veículos próprios, como um FDIC [Fundo de Investimento em Direitos Creditórios] ou debêntures. É como se fosse um grande investidor, junto com nossas centenas de pequenos investidores, nos disponibilizasse o dinheiro para poder emprestar para as empresas.
E vai possibilitar aumentar também o valor dos empréstimos ofertados? Buscar empresas que buscam crédito mais vultuosos?
Nosso modelo de negócio era de R$ 50 mil a R$ 500 mil, mas nunca chegamos aos R$ 500 mil porque não tínhamos investidores suficientes. Hoje estamos em R$ 250 mil, R$ 300 mil. Com o FDIC, a gente deve chegar a R$ 500 mil, R$ 700 mil… Mas, no máximo [esses valores]. Embora, atualmente, talvez a inflação talvez mude isso. Mas, hoje, mesmo se tivéssemos acesso a vários veículos de investimento, não faríamos mais do que R$ 1 milhão porque achamos que é onde nosso motor de crédito, algoritmo, é competente para fazer uma análise bastante segura. Então, o que a gente quer é atender PMes que precisem de capital de giro para crescer e se desenvolver.
Então a ideia é ganhar no número de empresas, não no capital por empresa?
Exatamente. Nossa tese, guardadas as proporções, tem a ver com a do Nubank. Queremos ter muitos clientes na base, oferecer bons produtos para esses clientes e cada vez mais nos tornarmos o banco ou plataforma que atenda às demandas desses clientes, enquanto tomadores de crédito para crescimento.
Nossa tese é simples assim. Em dois ou três anos, ter entre 10 e 20 mil clientes ativos, para que essa própria base possa se multiplicar e que a gente tenha uma operação grande baseada nesse grupo, que vai frequentar nosso negócio e utilizará a Money Money para se financiar
O modelo da Money Money não muda. A gente gosta da nossa relação com as pessoas físicas, mas precisamos diversificar. É saudável para a empresa e garante a nossa escalabilidade, além de nos proteger de riscos de liquidez, caso o segmento “A” ou “B” deixe de investir por algum motivo. Fazemos investimentos mensais em marketing e queremos crescer muito no mundo das pessoas físicas, mas também queremos crescer em outras verticais para alcançar o nosso grande objetivo, que é ajudar a economia real e o empreendedor.
E há público em potencial para sustentar esse crescimento?
O estado de São Paulo bateu recorde de abertura de novas empresas. O brasileiro é empreendedor. A pandemia, inclusive, empurrou alguns brasileiros para o empreendedorismo. Mas nossos empreendedores precisam de duas coisas: crédito e acesso à educação financeira. Criatividade e capacidade de desenvolver bons negócios nós temos um grupo enorme, mas ninguém é obrigado a ser expert em finanças. E crédito é escasso no Brasil não é de hoje.
As debêntures e o FDIC serão abertas ao investidor de varejo?
Atualmente, as debêntures da primeira emissão estão 100% subscritas e no período de lock-up, então não podem ainda ser comercializadas no mercado secundário. No futuro temos a ideia de ter um fundo a mercado, com oferta pública. Tem algumas mudanças na CVM que permitirão que a gente faça esse tipo de transação. Está tudo indo em uma direção muito bacana, de poder dar acesso aos investidores “comuns”, como eu e você, que fazemos alguns investimentos para nos protegermos da inflação e rentabilizar um pouco as nossas poupanças. Mas é preciso dar acesso a novos produtos de investimento. Crédito privado, que é o que a gente faz, é um acesso importante que o P2P proporciona, mas um fundo de crédito privado seria fantástico para diversificar a carteira das pessoas físicas.
A gente tem esse sonho, de em um futuro próximo fazer um fundo aberto ao mercado para ofertar a todas as pessoas físicas que tenham interesse.
Voltando ao assunto de crescer a base de clientes, como fica seu custo operacional? Vocês tem uma parte do atendimento que é pessoal, então com o aumento de demanda, esse custo também subiria. Não é uma preocupação?
Não é. Essa é a grande diferença das fintechs. Quando você cresce, sua despesa cresce menos em relação à receita. À medida em que vamos tendo cada vez mais investidores, temos mais ofertas de investimento, que é o que traz receita. Também estamos em evolução constante do ponto de vista de tecnologia. Hoje, grande parte dos clientes que estão conosco já conseguem se auto servir na plataforma. E estamos trazendo diversas evoluções, para que o cliente possa ter um auto serviço bom, com uma boa experiência. Vou citar de novo o Nubank, que sou cliente e acho a experiência ótima.
A tecnologia sempre traz pra gente crescimento com baixo custo operacional. Ter uma base com mais tecnologia gera mais clientes, mais funding para emprestar. E quanto mais a gente empresta, mais a gente ganha, gera receita, e reinveste esse capital em tecnologia. Assim, conseguimos dar uma excelente experiência para o investidor com baixo custo operacional.
Estamos implementando o PIX, que diminui despesas de TED, que são relevantes. O que vai custar mais caro é o investimento em nuvem, que eu posso dizer que é bastante marginal em relação ao crescimento das receitas. É claro que vamos precisar atrair investidores para o equity, para investir ainda mais em tecnologia. Mas são investimentos em melhorias tecnológicas, que a gente constrói, tem valor e trarão benefícios e receita sempre. A preocupação, então, é ter mais investidores.
Como dentro da conjuntura que a gente está, como você vê o mercado de fintechs? A gente vê nascerem startups para diferentes soluções, muitas delas se aproximando daquela época de “vale da morte”, justamente em um ano que, como você mesmo citou, será de grande volatilidade, juros altos, inflação e crédito mais escasso. Nesse cenário, o que as fintechs podem esperar?
Converso com muitas fintechs e muitos founders e é muito difícil eu falar com uma fintech que a tese não traga valor. É incrível como as fintechs conseguem trazer valor para o mercado. Claro que você tem razão, que tem os dois anos que dizem que tem a fronteira do vale da morte. A Money Money já fez dois anos, aliás, estamos muito felizes com isso, mas te digo o seguinte: como tudo na vida, tem uma seleção natural. Não se trata de mercado de fintech ou não. Alguns, infelizmente, ficam pelo caminho. Mas o que eu acho que vai acontecer é um movimento forte de consolidação de fintechs se juntando, talvez patrocinadas por venture capital para criar soluções cada vez mais concretas.
Acho que ainda tem espaço para muitos investimentos nas nossas fintechs e não vejo retração nos próximos dois anos. Tudo tem um timing, também. Tem uma janela que está aberta, quando vão surgindo novas grandes companhias e, com elas, parte dos problemas vão sendo resolvidos, passando para uma época mais tecnológica em diversos setores.
Estou otimista para os próximos dois ou três anos e espero muita consolidação daqui pra frente.
Mas o cenário macro não deve influenciar o crédito para essas empresas?
O cenário macro não é bom, mas depois de quase 30 anos fazendo crédito vi vários cenários difíceis que deixaram cicatrizes, mas crédito sempre vai existir em uma economia grande que depende de crédito e poucos bancos. Cinco bancos cobrindo 80% do crédito. Temos pouco crédito e poucos atores, então as fintechs têm um espaço grande. Aliando isso ao open banking, que, de novo, é a verdadeira disrupção, na pior das hipóteses vamos dividir melhor o espaço com os grandes bancos. De qualquer forma, o mundo fintech tem que ser visto com bastante atenção e surgirão mais investimentos para acelerar essas boas teses.
Tem um bolo grande e é necessário ser fatiado. O Banco Central sabe disso e está fazendo a parte dele. Vai acontecer.